Liturgia em tempo de pandemia

Por Fr. Alex Assunção, OFM

Reza um velho ditado, “só se dá valor quando se perde”. Apoiando-me nesta sabedoria popular gostaria de apresentar uma pequena reflexão sobre o momento que estamos vivendo em nossas comunidades de Fé. Já está completando quase três meses que fomos forçados a fechar as portas de nossas Igrejas, interrompendo de forma brusca boa parte de nossas atividades pastorais para tentar conter uma das piores crises sanitárias, sociais e econômicas provocada por um inimigo invisível, a COVID-19. Muitas análises e reflexões virão quando tudo isso passar e sem dúvida iremos tirar boas lições. Este pequeno artigo quer ser o primeiro de uma série, que serão publicados posteriormente em nosso informativo. Eles trarão algumas reflexões acerca da nossa Experiência de Fé a partir do Mistério Celebrado. Escrevo pensando de maneira especial em nossos irmãos e irmãs que exercem alguma função na Pastoral Litúrgica: Ministros da Palavra, Ministros da Eucaristia, Leitores, Comentaristas, Salmistas, Equipe de Canto e de Acolhida. Essa mesma reflexão é extensiva a todos os leitores e leitoras.
Neste tempo de isolamento social, tem sido comum pessoas amigas, paroquianos enviarem mensagens, telefonarem para dizer que sentem falta das missas, que têm saudades da vida comunitária e das atividades pastorais, isso muito nos alegra e nos anima. Algumas semanas atrás alguns irmãos nossos, pelo Brasil afora, chegaram a ensaiar uma campanha nas redes sociais, onde gritavam “nos devolvam a missa”. Isto só vem a confirmar o dito: “só se dá valor quando se perde!” Diante dessa realidade, tenho me perguntado, quantas vezes essa missa, que hoje é reivindicada pelas pessoas, foi trocada por uma partida de futebol, por uma balada, por um passeio? Quantas vezes a missa foi assistida apenas de corpo presente, já que o pensamento estava distante? Quantas vezes membros das Pastorais deixaram de ir à missa, porque não tinham nenhuma função a desempenhar na mesma? Quantas vezes a missa foi planejada “a meu gosto”, transformada em um showzinho, desrespeitando as orientações litúrgicas? Quantas vezes a missa foi apenas um programa social de final de semana? Este tempo de privação da missa presencial pode nos ajudar a dar mais valor a esse dom precioso que é a Eucaristia, que é a Celebração do Dia do Senhor.
(Imagem de Rafael Gerude - fotografiareligiosa.com.br)
Eucaristia: ‘‘fonte e ápice de toda vida cristã’’
Como bem nos ensina o Catecismo da Igreja, a Eucaristia é a fonte e o ápice de toda a vida cristã. Diz ainda que pela Santa Missa, nós nos unimos à Liturgia do céu e antecipamos a eternidade (cf. nº 1326). É um ato de fé, de cumplicidade entre Eu – Deus – Comunidade. É através da Missa que Deus vem de maneira plena ao nosso encontro; e só porque Ele vem até nós, nós podemos ir até Ele. O rito da missa que nós celebramos, que às vezes alguns reclamam que é enfadonho, monótono, não foi inventado ao bel-prazer de um padre ou de um bispo. Tem a sua raiz nas Sagradas Escrituras, ressignificada pelo próprio Jesus (ver. Mt 26, 20. 26-30; 1 Cor 11,23-26). Infelizmente, nem todos ainda têm essa compreensão, até mesmo aqueles e aquelas que ajudam a preparar as liturgias em nossas comunidades. Muitas vezes o mistério cede lugar para ao brio de alguns “litúrgos”, que deveriam ser servos da liturgia (λειτουργíα - "serviço público" ou "serviço do culto”). Esse tempo de privação da Missa e da Celebração da Palavra deve nos ajudar a avaliar nossa forma de preparar e celebrar a Eucaristia, o Dia do Senhor.
Logo mais voltaremos a celebrar juntos, quiçá esse tempo que perdemos o direito da missa presencial tenha nos servido para valorizarmos mais a Santa Missa, a Celebração do Dia do Senhor. Que possa ter ajudado as nossas equipes de liturgia a serem mais mistagógicas. Pois como disse certa vez São João Crisóstomo: “não se põe incenso em carvão apagado”. Às vezes tenho a impressão que as nossas liturgias são como incenso em carvão apagado! É preciso, primeiro, acendermos em nós o fogo do Espírito Santo, fazer arder nosso coração. Podemos fazer isto com oração pessoal ou comunitariamente através de refrões orantes, mantras, tempo de silêncio. A missa é a hora de colocar o incenso de nossas preces a Deus. É a hora de dizermos “suba minhas orações como incenso em tua presença Senhor” (Sl 141, 2). 

Até o próximo artigo, no qual daremos continuidade a esta reflexão.

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